sábado, 29 de maio de 2010

Uma vida para sempre?

«E tereis a vida eterna.»
«Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, tem a vida eterna. E Eu o ressuscitarei no último dia.»
«Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.»
«A vida eterna consiste nisto: acreditar n’Aquele que o Pai enviou».
Apenas algumas das muitas referências de Jesus à eternidade, algumas das muitas frases que se encontram no evangelho sobre este tema. Algumas delas presentes em inúmeros cânticos que recordam constantemente esta finalidade, que motivam para esta eternidade, ainda que nem sempre (ou quase nunca) os cânticos sejam entendidos na sua missão educativa e formativa e entrem nos corações dos que os cantam (ou apenas escutam…)
Mas, como falar de eternidade a uma sociedade que procura apenas o imediato, que deixou de acreditar no futuro e que vai vivendo a sequência de intermináveis minutos (se se está aborrecido) ou velozes segundos (quando o relógio deveria ser parado…)?
Eternidade parece ser uma noção com três erros crassos para estes dias: demasiado tempo, demasiado longínqua, demasiado vaga…
Demasiado tempo para assimilar que a vida não se resume ao imediato, que afinal é preciso lutar por algo mais do que vencer no momento preciso, do que as glórias ou derrotas do quotidiano… embora a eternidade não seja uma questão de tempo; aliás, a eternidade irá libertar o ser humano da tirania do tempo, uma das suas grandes conquistas de sempre…
Demasiado longínqua para se olhar para ela com olhos de ver, para se esperar por ela ou pelos seus frutos, para se ir construindo com planos de um futuro em que já não se acredita… embora a eternidade esteja já no coração de cada um, como semente que deve germinar, como planta que se vai moldando e que se ajuda a crescer…
Demasiado vaga para um mundo que procura definições exactas para tudo, que procura definir até os sentimentos (em vez de os sentir), uma ideia que foi transformada em algo demasiado impessoal e imperceptível… embora a eternidade seja a promessa pessoal feita por Deus a cada um, seja algo mais a viver do que a definir, seja mais acreditável do que algo a negar…
Jesus continua a falar de eternidade… hoje como ontem… mas talvez hoje seja difícil ouvir estas palavras…

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Com novidade, continuar a apresentar…

               A reacção do ser humano perante algo novo é sempre uma incerteza, uma surpresa incontornável, que, de acordo com uma maior ou menor abertura de espírito, será integrada (e rapidamente deixará de ser novidade) ou rejeitada (ainda que sempre assimilada, nem que seja apenas no conceito).
Esta constatação não pretende ser um tratado psicológico. Se for observada à luz do quotidiano, facilmente se verá a sua veracidade, até nas mais pequenas novidades que diariamente nos são propostas…
Alguém referia o Evangelho como algo sempre novo. É certo que não está preso no tempo, nem perdeu a sua novidade perante um mundo que dele ainda tem tanto a assimilar, que obstinadamente ainda o desconhece. Nele, podemos encontrar algo da nossa vida, podemos retirar sempre algo para a nossa vida… ou seja, talvez o truque seja fazer dele a nossa vida…
Mas, apresentar a novidade do Evangelho não é uma proposta de renovação de algo que nunca perdeu a sua novidade. Nem tão pouco procurar interpretações que, em busca de uma aparente novidade, o contradigam na sua essência ou nos afastem do seu verdadeiro espírito.
Apresentar a novidade do Evangelho é lembrar Alguém que hoje continua a ser o mesmo de ontem e de sempre, Alguém que Se continua a oferecer pelo mesmo Amor sem medida e intemporal… E isso, é sempre novo.
Embora o mundo apregoe uma busca insaciável de novidade, rapidamente se vai deixando aprisionar nas teias da comodidade e da rotina, criando mecanismos mais ou menos definidos e, por vezes, imperceptíveis. E, quem vive no mundo, vai-se habituando a estes mesmos mecanismos, vivendo esta imagem ilusória de novidade… Até aqueles que, ao serviço do Evangelho, o querem apresentar na sua novidade, mas com os mesmos mecanismos de sempre…
Apresentar a novidade do Evangelho não é uma tentativa de o reescrever… É usar toda uma nova linguagem, toda uma nova possibilidade que o mundo tecnológico e mediático oferecem… Ou seja, em última análise, aproximá-lo de um mundo que, sendo-lhe cada vez mais distante, o irá reconhecer como mais próximo, como mais seu, pela novidade da abordagem.
Colocar as novidades tecnológicas e de comunicação ao serviço da pregação e do anúncio do Evangelho não pode continuar a ser visto como um capricho dos «mais novos» ou de meia dúzia de visionários que nunca passarão disso. Tem de ser cada vez mais uma possibilidade, um novo caminho para o Evangelho de sempre, o que já foi visto por alguns «mais velhos», como até alguns documentos pontifícios o provam…

A urgência de uma ideia...

Há momentos em que a mente se esvazia, mais rapidamente que uma caixa de chocolates, daqueles que gostamos tanto e que vamos dizendo que é sempre só mais um, até não restar mais do que os espaços vazios na caixa antes cheia...
Momentos em que a inspiração parece algo tão distante, que o simples acto de pensar parece artificial, quase doloroso...
Em contrapartida, há aquilo que gosto de chamar de «corrida de ideias»... Momentos em que as ideias parecem não terminar, em que estamos a tentar desenvolver um pensamento e logo outro o atropela e nos rouba toda a atenção... Momentos em que a concentração é tarefa à filme do «James Bond», ou melhor, digna de estrelar numa sequela do «Missão Impossível», dentro da nossa própria cabeça...
Em todos estes momentos, seja de escassez ou excesso, (lembrando aquele velho ditado que diz «não há fome que não dê em fartura»), é necessário estar atentos ao que podemos designar «urgência de uma ideia». Urgência, não há maneira das urgências hospitalares, mas urgência pela atenção que lhe devemos dedicar, pelo empenho em lhe dar forma e consistência, para que não passe sem rasto algum, mas tenha o devido impacto, não apenas na mente, mas em toda a vida do pensador...
Porque necessitamos de ideias que façam desenvolver, que amadureçam, que surjam e entusiasmem os que as tiverem e não de soluções feitas e «compradas» à maneira de prateleira de hipermercado...
Porque faltam pensadores num mundo que, vivendo para lá da velocidade da luz, quer tudo facilitado e generalizado, em que tudo parece estudado para ser tipo «papa de bébé», ou seja, pronto a consumir e sem muito trabalho, sem muito esforço mental para perceber ou acreditar...
Por isso, talvez, a fé tenha menos espaço neste mundo... porque pressupõe esse esforço, essa procura continua do conhecer e compreender... porque não é facilidade, mas exige constância e desejo...
Talvez, por tudo isto, cada vez mais pessoas vejam apenas o vazio das suas vidas, que vão fugazmente preenchendo com essas «ideias comerciais» que passam sem rasto e nada mais deixam do que o vazio de quem já não sabe, já se esqueceu do que é pensar...
E este tem de ser uma urgência, uma prioridade, perante o agir...

Sinais da Palavra - Santíssima Trindade

Habitualmente, é em «nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo» que tudo começamos...
Unimo-nos a este Deus de Amor, um só Deus em que acreditamos e amamos, mas Pai que nos cria e salva, em Jesus Cristo, Filho enviado e que por nós morre e ressuscita, envolvidos num mesmo Espírito Santo que ilumina e conduz...
E, por isso, como diz São Paulo: «tendo sido justificados pela fé, estamos em paz com Deus». Esta paz interior que nos renova, que nos fortalece em qualquer situação, mesmo as mais difíceis, que nos leva a viver com esperança, uma esperança que não engana, como diz o Apóstolo, que não pode ser uma mentira ou uma ilusão, mas é tão verdade como «o Amor de Deus... derramado em nossos corações pelo Espírito Santo».
E o convite a mergulhar nesta paz divina, nesta própria intimidade de Deus Uno e Trino, é feito pelo próprio Jesus, que repetidamente nos lembra que deseja que também nós sejamos um, com Ele, e n’Ele com o Pai e o Espírito. Enfim, para que todos sejamos um, como o próprio Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, é Um só. Ainda que agora o não compreendamos totalmente, (dizemos que é um mistério de fé), aceitamo-lo e vivemo-lo em verdade.
E vivamos no amor do Pai, pela graça do Filho, Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo.

Que o Senhor a todos abençoe...

Sinais de Páscoa VI

«E ilumine os olhos do vosso coração para compreenderdes a esperança a que fostes chamados...»
A esperança que nos une, ou, dito de outra forma, o que todos esperamos, aguardamos com ansiedade, mas com certeza. E, não é a morte que esperamos, ou então nada teria sentido. Dizemos que a temos como certa, mas se não esperarmos a vida eterna com a mesma certeza, se não for para a eternidade, «para o alto» que elevamos o nosso olhar, ainda não deixámos que essa luz nos iluminasse, ainda é nas trevas que vivemos, sem nada esperar, no desespero e tristeza de quem já se deixou derrotar e não vive a vitória do Ressuscitado...
Diz-nos a nossa fé que esse mesmo Senhor ressuscitado subiu aos céus, ante a admiração dos discípulos. E que de novo há-de vir, restaurar todas as coisas...
Mas, acreditar e viver a Ascensão do Senhor, não é ficar parado, a olhar para os céus, mas é deixar que a força do Espírito enviado nos faça testemunhas, anunciantes de Jesus Cristo vivo a um mundo que se prende na morte. Olhar o Senhor que soube aos céus é também transformar este mundo em que vivemos, para que O possa acolher em verdade na sua vinda gloriosa...

Que a paz do Senhor ressuscitado esteja com todos...

Sinais de Páscoa V

Deus quer morar em nós...
Mais do que em templos, mais do que em magníficos espaços bem decorados e apetrechados, Deus quer fazer a sua morada nos nossos corações e na nossa vida, como no-lo lembram as palavras de Jesus: «Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada».
Deus que quer habitar em nós, ficar connosco, apesar das nossas imperfeições, das nossas falhas e das nossas recusas tantas vezes em o acolher...
E por isso mesmo nos diz: «Não se perturbe nem se intimide o vosso coração»... Basta ao nosso coração viver a paz que Ele mesmo nos deixa, a paz de quem o segue e aceita, sem as imposições falsas dos homens, mas guiados pelo Espírito Santo, que desde o princípio orienta e guia a Igreja que vai crescendo e se fortalecendo no alicerce dos Apóstolos.
O Senhor, junto do Pai, permanece também connosco, iluminando-nos com a sua luz resplandecente, luz de vida eterna, que Ele mesmo, Cordeiro Pascal, nos alcançou. Deixemos que essa luz do Senhor Jesus brilhe mais em nós...

Que a paz do Senhor ressuscitado esteja com todos...

Sinais de Páscoa IV

«Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros».
A novidade, não do amor, mas da forma de amar. Temos agora um exemplo a imitar, um modelo a seguir: a forma de Jesus nos amar, que devemos procurar viver na forma como também nós amamos.
Um amor que não é interesseiro, não procura algo em troca, não impõe limites ou condições; um amor que não é negociado, comprado ou inventado consoante as situações ou os objectivos; um amor que encontra a alegria no dar mais sentido até às pequenas coisas do dia-a-dia, porque também elas são caminhos novos de eternidade...
Um amor que testemunha e anuncia essa mesma novidade de uma Igreja que não é apenas institucional, da «voz do Papa, dos Bispos e dos Padres», mas brota do amor entre todos os que seguem Jesus Cristo, os que se alegram com a sua presença, os que vivem o que Ele diz: «Nisto conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».
Será nesse testemunho de quem ama, à maneira do verdadeiro Mestre, que a Igreja continuará a crescer hoje, como nos primeiros tempos, e se viverá já aqui a profecia do Apocalipse, de um mundo em que o Senhor diz: «vou renovar todas as coisas»...

Que a paz do Senhor ressuscitado esteja com todos...

Sinais de Páscoa III

«Somos o povo do Senhor...»
Povo tão diferente, tão disperso, mas que tem de encontrar a mesma alegria de celebrar a Páscoa do Senhor.
Povo a quem o Senhor faz hoje a mesma promessa de um futuro de eternidade, de um novo e diferente tempo, que não é uma utopia, mas acontecerá: «nunca mais terão fome nem sede, nem o sol ou vento ardente cairão sobre eles».
Povo que se deixa conduzir docilmente por um só e mesmo Pastor, Aquele que dá a vida pelas suas próprias ovelhas, na Cruz, para que as lágrimas do pecado e da morte desse mesmo povo por Ele sejam enxutas para sempre...
Um Pastor que diz, mesmo aos que andam dispersos pela vida ou os que se vão deixando ficar pelo caminho, cansados, feridos pelos caminhos incertos: «Eu dou-lhes a vida eterna»...
Povo que não pode fechar o coração à Palavra que o próprio Deus lhe dirige, tal como não pode fechar a sua vida aos irmãos que com ele partilham a caminhada, por mais diferentes que sejam, porque todos podem sentir-se discípulos cheios de uma mesma alegria no Senhor Ressuscitado e conduzidos pelo mesmo Espírito Santo, Espírito de Amor...

Que a paz do Senhor ressuscitado esteja com todos...

Sinais de Páscoa II

«Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens»...

Não é um grito de irreverência ou uma desculpa para os caprichos de cada um... não é um convite ao individualismo ou a posição de quem não liga a nada ou ninguém além de si próprio...
Obedecer a Deus à maneira obediente do Filho, Jesus, obedecendo até à Cruz... À maneira do «seja feita a vossa vontade», que rezamos, ou do «faça-se em mim segundo a tua palavra», confiante de Maria...
É reconhecer Jesus como o Senhor de todas as coisas, o «Cordeiro que foi imolado» e que «é digno de receber o poder e a riqueza, a sabedoria e a força, a honra, a glória e o louvor».
Mas, reconhecer Jesus como o Senhor, é reconhecê-l’O nos pequenos momentos da vida quotidiana, quando a sua presença nos enche de confiança e de alegria, como os discípulos depois da pesca milagrosa, que apenas diziam. «é o Senhor». Mas, reconhecê-l’O é também dar o passo seguinte, como Pedro e responder-Lhe não apenas 3 vezes, mas todas as vezes que for necessário na vida, dizendo com todo o coração: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo»...

Que a paz do Senhor ressuscitado esteja com todos...

Sinais de Páscoa I

«Estive morto»... Morto em tantas atitudes sem esperança, em tantos homens e mulheres que vivem como se o amanhã não existisse, para quem a vida se encaminha a cada dia, fatalmente, para o vazio da morte, para a desgraça da cova, sem mais nada que acreditar...
Morto num mundo que nada mais consegue ver do que as lutas diárias pelo poder, pela riqueza... Morto num mundo onde o ter é imperativo, onde se passa por cima de tudo e de todos para se alcançar o vazio de quem nada tem como seguro, como certo, excepto essa mesma tirana morte que atemoriza...
«Mas eis-Me vivo pelos séculos dos séculos»... Esta certeza que o mundo de hoje tem de compreender: Jesus está vivo! Ressuscitou! E a sua ressurreição é a nossa própria passagem da morte à vida, é a certeza de também nós vivermos com Ele toda a eternidade, de também nós ressuscitarmos.
Não sejamos incrédulos, mas crentes, como o Senhor disse a Tomé. Mesmo sem termos visto, é preciso acreditar na Ressurreição, neste Senhor vivo e ressuscitado que caminha connosco pela vida, que nos acompanha e vem até aos nossos dias trazendo a sua paz, entrando nos nossos corações fechados pelos medos diários e dando-nos a força do Espírito, para que também nós sejamos suas testemunhas e O anunciemos com alegria...

Que a paz do Senhor ressuscitado esteja com todos...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Eu Creio VIII... E subiu ao Céu... De novo há-de vir...

É um grito de esperança que se ouviu desde o início da Igreja, repetido em tantas celebrações, em momentos significativos, desde o mais profundo sentimento dos Apóstolos, até ao final dos tempos. «Vem, Senhor Jesus!»
Grito tão sentido que mesmo o livro do Apocalipse, apontando numa linguagem simbólica para o «fim dos tempos», lido num contexto próprio das perseguições mais violentas à Igreja e como uma resposta para dar ânimo aos discípulos do Senhor, termina com essa mesma súplica, não em jeito de desabafo ou ameaça, mas verdadeiro pedido ao Senhor Jesus para que venha até nós, para que aconteça a Sua Vinda Gloriosa.
Mas, convém precisar o que se entende por «vinda gloriosa» do Senhor Jesus.
Primeiro, situamo-nos perante o anúncio e a realidade de Jesus que sobe aos céus, na Ascensão, anúncio feito aos discípulos («vou para o Pai»), que se cumpre quarenta dias após a Ressurreição. Após o contacto com os discípulos e de os ter fortalecido na fé que ressuscitara, Jesus regressa à glória do Pai, «onde está sentado à direita do Pai», como dizemos nessa mesma fé que também nós professamos.
A Ascensão de Jesus convida-nos a olhar para o céu, para o infinito, para a eternidade. A levantar os nossos horizontes, a olhar mais além deste mundo e desta caminhada que fazemos aqui, nesta vida. A acreditar que, se Jesus ressuscitou, também com Ele ressuscitaremos um dia. E mais, uma parte da nossa humanidade já se encontra com Ele nessa mesma eternidade. Porque sendo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, ao subir ao Céu, levou consigo a nossa humanidade, mostrando aos homens que a verdadeira meta a que nos propomos, que o verdadeiro objectivo das nossas vidas, não é a morte, mas sim essa mesma vida sem fim, eterna, plena.
Mas, logo na Ascensão, quando os discípulos ficaram a olhar para o alto, lhes foi dito: «esse mesmo Jesus... virá do mesmo modo que O vistes subir para o céu». Logo desde o início a Igreja é convidada a esperar e a pedir com sinceridade essa mesma Vinda do Senhor, uma vinda que virá glorificar todas as coisas, dar-lhes sentido pleno, restaurar todo o Universo.
É esse restaurar todo o Universo, submetendo a si todas as coisas, como diz S. Paulo, que está escrito na fé que professamos, na imagem do «julgar os vivos e os mortos», julgamento não à maneira dos julgamentos humanos e da frágil justiça que os homens promovem, mas julgamento pela justiça e amor de Deus, que quer que todos os homens se salvem, cabendo ao homem aceitar ou não esse caminho de salvação.
Jesus, Rei do Universo, virá então reinar sobre todas as coisas, «e o Seu reino não terá fim». É esse mesmo reino que nós esperamos e pedimos, mesmo quando rezamos como o próprio Jesus nos ensinou e dizemos: «Venha a nós o Vosso reino»...

Mas, será que acreditamos também nós nesta mesma eternidade? E vivemos olhando essa mesma meta? É a vida eterna que esperamos, ou deixamo-nos prender e demasia pela ideia da morte, de um fim vazio e frio, tão anunciado por uma Humanidade sem esperança, demasiado aprisionada nos seus próprios medos e dúvidas?

Eu Creio VII - Encarnou... Foi crucificado... E ressuscitou...

«Encarnou pelo Espírito Santo e no seio da Virgem Maria se fez Homem...»
Mistério central na nossa fé: a Encarnação do Verbo de Deus. O próprio Filho de Deus que assume a nossa carne, a nossa natureza humana, a nossa vida neste mundo, com uma finalidade: realizar o desejo supremo do Pai que todos os homens se salvem, participando pela graça da vida eterna do Filho.
Afirmar esta verdade de fé, tão importante que sempre que ela é dita no Credo os fiéis devem fazer uma inclinação de reverência e adoração, é lembrar, primeiro, a acção do próprio Deus, Espírito Santo, desde a Anunciação do Anjo até ao nascimento do Senhor. É pelo Espírito Santo que Jesus vem ao mundo, assume a humanidade. É um acto pleno de amor, de um Deus que outrora dera a vida ao ser humano e agora, tornando-se humano, dá nova vida àqueles que assim assume como irmãos. Mas é também lembrar, de forma inequívoca o papel fundamental da Virgem Maria, mulher de coragem que assume com a sua vida este papel de «porta de entrada» de Deus no tempo e na história humana. Ao dizer sim a Deus, na Anunciação, Maria disse o sim de todos os crentes, de todos os homens que aceitam e acolhem Deus nas suas vidas...
«Também por nós foi crucificado, sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado...»
Poderia Deus salvar-nos de outra forma, que não a morte na Cruz? Na sua infinita sabedoria, tudo seria possível... Mas quereremos nós melhor lição de vida do que este amar sem medidas, até ao ponto de dar a vida, e não de qualquer forma, mas de uma maneira que pela sua violência e pela forma como era interpretada, não deixa espaço para dúvidas?
Ama-nos desta forma, até este ponto... Mais, ensina-nos a ser filhos de Deus, filhos obedientes como Ele o foi, «obedecendo até à morte e morte de Cruz», como nos diz S. Paulo. Ensina-nos a nós, que tantas dificuldades temos em saber obedecer, em fazer as coisas desinteressadamente, em saber amar sem limites ou sem esperar nada em troca...
Morreu, para que nós vencêssemos com Ele a morte. Deu a sua vida, não por obrigação, para que nós por gratuidade alcançássemos a vida. Estendeu os braços sobre a Cruz para que nós estendêssemos o nosso olhar para a eternidade.
E como todo o ser humano, foi sepultado. Também para nos ensinar, a nós que temos dificuldades em nos separarmos daqueles de que gostamos, em sepultarmos os nossos familiares e amigos sem nos deixarmos cair no desânimo e mesmo no desespero, que por Ele, tudo não termina aí, na frieza e escuridão do sepulcro. Ensina-nos que há vida, mesmo onde tudo parece falar de morte, que há esperança, mesmo nos momentos de maior dor e sofrimento.
Por amor, desde o nascimento até à Cruz, o Senhor Jesus ensina-nos a viver...

E poderíamos perguntar-nos: e de que forma nós apreendemos esse ensinamento? De que forma ele transforma a nossa forma de viver? Como olhamos nós para esta vida que aqui nos é dado viver? Conseguimos aprender este amor de quem ama até ao fim? Conseguimos descobrir a força que brota da Cruz? Conseguimos ter em nós este olhar de eternidade? 

Pensamentos de uma caminhada quaresmal VI

Ao iniciarmos a Semana Santa, a chamada outrora «semana maior», associamo-nos a uma multidão que, em êxtase, acolhe o Senhor Jesus na sua entrada em Jerusalém...
Multidão que O saúda, de palmas nas mãos, mas que não compreende a sua verdadeira realeza, ao gritar efusivamente: «Bendito o Rei que vem em nome do Senhor!»... Multidão que se deixa embalar por correntes contrárias, que «tanto» parece esperar da vinda do Senhor, se olharmos apenas para esta entrada «triunfal», mas fecha o coração na hora de acolher a novidade do Filho de Deus que vem dar a Sua vida por todos os homens e participa na Sua condenação ao gritar também efusivamente: «Crucifica-O! Crucifica-O!»...
O silêncio de um Rei, primeiro saudado e logo depois condenado, silêncio de humildade e de entrega total, que podemos acompanhar na leitura da Paixão segundo o evangelista Lucas, silêncio de certezas até nas poucas palavras proferidas, nas quais se reconhece primeiro como o Filho de Deus, perante os judeus, e depois como o Rei dos judeus, perante Pilatos, ou mesmo nas atitudes de perdão e total abandono nas mãos do Pai, na Cruz, intriga-nos... Inquieta-nos tal silêncio, perante a capacidade humana de tanto discutir e falar, ainda que por vezes sem grande sentido... Interpela-nos a falarmos com a convicção de actos concretos, de gestos generosos em que as palavras se tornam vida e cheias de significado, e não nos longos e ocos discursos em que humildade e entrega parecem ser esvaziadas de sentido e inadequadas, pela antiguidade e exclusão de uma «moda» mais interesseira ditada pela actualidade...
O mundo quer ouvir apenas os «mestres», os grandes doutores e «fulanos de tal», quando Aquele que apresenta «as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba», Aquele que «assumindo a condição de servo... humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz», nos lembra que as suas palavras são mais plenas e cheias de salvação, porque o Senhor Deus lhe «deu a graça de falar como um discípulo, para que saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos»...
Aprendamos a escutar bem a linguagem da Cruz, da entrega total no Amor, aprendendo de Jesus a também dizer sempre com verdade: «todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua»...

Ajuda para esta semana: meditar verdadeiramente o relato da Paixão no evangelho de São Lucas... E procurar pequenos, mas verdadeiros gestos de humildade no dia-a-dia...

Pensamentos de uma caminhada quaresmal V

Continuamos a correr, cada dia, cada instante da nossa vida...
Mas, o que acontece se nos esquecemos da meta que queremos alcançar? Se nos confundimos pelo caminho, ou, iludidos, vamos criando novas «metas», sem pensar nesse bem supremo, Jesus Cristo, meta inicial da nossa caminhada de fé e de vida?
E se formos perdendo as forças, ou, cansados pela vida, vamos perdendo o fulgor da caminhada, ficando a olhar para trás constantemente, presos a um passado que quase nos faz caminhar ao contrário?
Faz-nos bem, então, lembrar o que diz São Paulo aos Filipenses: «esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta...»
E olhar sempre com renovada esperança para o que nos espera, para o que vamos encontrando nesta mesma corrida, à medida que vamos passando pela vida... Sem aquele olhar e atitude derrotista de quem, esquecendo mesmo a meta, fica parado a olhar para o percurso já percorrido, e ainda mais para as quedas que tantas vezes vão fazendo parte desta «corrida»...
É preciso ouvir aquela voz interior, a cada dia, que diz: «olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes?», como o Senhor Deus lembrava pelo profeta Isaías... Mas, como poderemos descobrir essa novidade diária, se continuamos a olhar com olhos pessimistas e cansados, já derrotados, mesmo antes de recomeçar a correr?
Ou, se pelo caminho, nos vamos preocupando mais em arranjar pretextos para condenar os outros, para apontar o dedo e lançar pedras contra os que vão caindo, em quedas reais, esquecendo as nossas próprias quedas e o esforço, esse mais proveitoso, do levantar de novo e recomeçar a «corrida»?

Ajuda para esta semana: procurar, durante este tempo, não fazer da crítica a «pedra» que diariamente atiramos, procurando mais perdoar e tentar compreender do que condenar...
E encontrar na novidade de cada dia, razões de esperança e forças para continuar...

Pensamentos de uma caminhada quaresmal IV

Diz-nos São Paulo: «As coisas antigas passaram; tudo foi renovado».
E se olharmos atentamente, vamos descobrir esta tensão constante para a mudança, para a renovação. Tudo parece caminhar nesse sentido... E o relógio não pára, por mais que às vezes gostássemos que isso acontecesse... E as folhas do calendário vão mudando, numa sucessão de dias que às vezes se perdem entre rotinas já gastas e que trazem sempre consigo a inevitável constatação: «como o tempo passa». Tão distraídos, tão adormecidos pela rotina, que só assim nos apercebemos que tudo vai mudando, tantas vezes, excepto nós...
Até a natureza nos ensina esta atitude de renovação: por dentro, vai surgindo nova vida que logo brotará em novas folhas, novos rebentos, como se acordasse do torpor do inverno e de novo despertasse para a vida, para uma nova vida, onde os frutos são a meta a alcançar...
Precisamos de aprender a renovar também o nosso coração, com atitudes novas de perdão e de acolhimento, ainda que isso implique, por vezes, a reflexão daquele filho que se afastou da casa paterna, que esbanjou tudo e que só pela necessidade sentida, se deu conta de que era preciso regressar...
«Já não mereço ser chamado teu filho», dizia. Mas o Pai, constantemente de braços abertos, ensina-lhe a ele, e a nós, também filhos rebeldes, que há lugar para o perdão, para a festa da reconciliação, para o recomeçar de novo... Ainda que isso tantas vezes escandalize e pareça impossível para os «irmãos mais velhos», que, afinal, apenas cumprem para impressionar e quase «comprar» o amor do Pai, e por isso, são incapazes de perdoar, fechados no seu próprio orgulho...
Experimentemos também nós, como é bom o saber perdoar e sentir-se acolhido por este mesmo perdão...

Ajuda para esta semana: procurar oportunidades para este mesmo perdão, seja na atitude de quem o dá, com verdade, seja na festa do reencontro com o Pai da misericórdia... E visitar alguém mais solitário, levando-lhe um pouco desta mesma vida nova de amor e de coragem...

Pensamentos de uma caminhada quaresmal III

São Paulo alertava os coríntios, um alerta também para nós hoje: «portanto, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair».
Pode parecer quase uma ameaça, mas não é esse o intuito da expressão. Até porque podemos pensar em sentido contrário, ou seja, «para cair, basta estar de pé»... E a vida é sempre feita de quedas e levantar, desta vontade de seguir em frente, mesmo que pelo caminho, tantas vezes se vá tropeçando...
E quando caminhamos sozinhos, no deserto do nosso orgulho, não há nada que nos ampare, em que nos possamos apoiar, quando tropeçamos, quando caímos... Nem nada que nos ajude a aliviar as feridas dessas mesmas quedas... E sentimos que caímos ainda mais desamparados, com todo o peso do nosso próprio mundo a desabar...
E acompanhamos os clamores de «injustiça» de um mundo cada vez mais fechado na sua própria desorganização... E prostrado e cansado, grita por uma ajuda que, tantas vezes procurando apenas em si próprio, não encontra...
Moisés surge para o povo de Israel, no Êxodo, como aquele que Deus lhe envia para o levantar da escravidão do Egipto, para o conduzir pelo deserto, rumo à terra prometida.
Uma promessa de presença e de ajuda que não tem tempo, como Aquele que a faz e Se chama a si mesmo «Eu sou ‘Aquele que sou’», um Deus clemente e cheio de compaixão, mesmo para com «as figueiras», que após, não apenas três, mas tantos anos da sua vida, continuam a não dar frutos, apesar dos muitos cuidados que lhe são dedicados...
E nós, poderemos apresentar frutos?

Ajuda para esta semana: procurar um tempo de paragem, de reflexão pessoal. Ver em que nos apoiamos habitualmente, como vivemos a nossa fé, como confiamos em Deus, mesmo «nos desertos» das contrariedades. Analisar os frutos dados no dia-a-dia... e porque não, dar frutos de perdão concreto, perdoando algo ou alguém em verdade...

Pensamentos de uma caminhada quaresmal II

Às vezes, como Pedro, Tiago e João, também nós parecemos adormecer, cansados pela corrida constante da vida, mesmo diante de Jesus em oração...
Com olhos adormecidos, não conseguimos ver as manifestações da presença de Deus, do Seu Amor, em nossas vidas, em tudo o que nos rodeia... E vamos adormecendo a nossa esperança, embalados por um ritmo diário em que não há tempo para olhar em redor, mesmo até para pensar, por vezes...
É necessário ouvir a voz do Pai, voz de hoje e de sempre, que convida a escutar, a aceitar o Seu Filho como caminho de salvação, ainda que esse mesmo caminho passe pela Cruz rumo à Vida sem fim.
Mais do que ouvir, é importante responder com fé e esperança, em atitudes concretas da vida, a esse Deus Pai que quer viver connosco a aliança iniciada em Abraão, como membros de um povo que aceita caminhar para uma terra que ainda não conhecemos em plenitude, mas cuja semente está já em nós, uma terra de eternidade, mas ao nosso alcance, se acreditarmos e nos pusermos constantemente a caminho, como o próprio Abraão.
Também São Paulo nos lembra, ao escrever aos Filipenses, que «a nossa pátria está nos Céus, donde esperamos como Salvador, o Senhor Jesus Cristo». Então, não vivemos desesperados, abatidos pelas contrariedades, cabisbaixos e sempre lamuriosos. Mas vivemos nessa esperança de quem aguarda o Salvador, de quem recebe a sua força constantemente e a procura viver no dia-a-dia, de quem se vai deixando «transfigurar» continuamente, pondo de lado maldades e atitudes menos próprias, mas revestindo-se do viver à maneira de Jesus Cristo «nossa luz e salvação»...

Ajuda para esta semana: procurar mudar uma atitude concreta, algo em nós que sabemos não tão bem... pode ser uma pequena atitude, um hábito, uma maneira de ser... Mas, «transfigurá-la», transformando-a em algo mais positivo...

Pensamentos de uma caminhada quaresmal I

Diz-nos São Paulo, na sua carta aos Romanos: «a palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração.»
Para São Paulo, o grande Apóstolo dessa mesma palavra, esta conclusão era normal: o cristão tem de se alimentar da Palavra de Deus, da mesma forma que o seu corpo físico precisa de alimento.
Palavra que não pode estar longe, escutada tantas vezes apenas ao domingo, na celebração da Eucaristia (quando é escutada), mas tem de estar constantemente no coração de cada um, mediante uma leitura mais frequente e mais meditativa. Palavra que alimenta interiormente, se a soubermos procurar, ler e guardar no mais íntimo de nós mesmos...
O próprio Jesus lembra-nos isso mesmo no Evangelho, nas respostas dadas ao tentador, fundamentadas na própria Palavra de que Ele é expressão máxima. Também nós, também cada cristão é convidado a descobrir este alimento magnífico da Palavra, onde pode encontrar forças para o dia-a-dia, para a luta diária contra o mal e contra a tentação.
Porque, reconhecer que somos pecadores e penitentes não é uma declaração de derrota perante o mal. Porque o próprio Jesus nos lembra, nesta primeira semana quaresmal, que podemos vencer essa mesma tentação, essa inclinação natural para o mal...
Ainda que tantas vezes sejamos postos à prova, na nossa caminhada, temos em nós essa força, esse Espírito de Amor que ajuda e fortalece, se também nós soubermos fazer silêncio a tantas vozes tentadoras e enganadoras para O escutar verdadeiramente...
E, também nós, como Jesus, poderemos vencer as tentações, porque Ele está connosco, porque temos a força da sua Palavra de que nos alimentamos...

Uma primeira ajuda, nesta caminhada quaresmal: procurar tempos de leitura, de meditação desta Palavra, para que ela esteja mais perto de nós, no nosso coração...                                                                                           

Eu Creio VI - Para a nossa salvação

Olhámos já para Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, Senhor do tempo e da história, o Enviado pelo Pai...
No seu diálogo de amor com os homens, com o Povo escolhido e conduzido ao longo da História da Salvação, Deus vem falar-nos por Seu Filho, como o diz a Epístola aos Hebreus, na plenitude dos tempos... Jesus é a Palavra desse diálogo, a Palavra que dá plenitude ao antes e ao depois, que desce dos céus para nossa Salvação, como dizemos ao afirmar a nossa fé.
Jesus vem até nós, por nós e para nós... Pode parecer confuso, mas é verdade digna de ser acreditada: é pelo Homem e para salvar o Homem que o próprio Filho de Deus encarna e Se faz Homem, vem viver a nossa vida, para nos colocar de novo em rota para o Céu, para o que havíamos perdido pelo pecado, para reconciliar o Homem com Deus, reatando uma aliança, agora nova e eterna, definitiva.
O mistério da Encarnação do Verbo de Deus, em que o Filho de Deus encarna e Se faz Homem, que provoca a nossa mais profunda admiração e diante do qual nos ajoelhamos em adoração ao celebrar o Seu Nascimento, merece sempre a nossa reverência e uma atitude de Quem o acolhe continuamente no seu coração (e por isso, ao professar a nossa fé no Credo, somos convidados a fazer também fisicamente esta inclinação de adoração, às palavras «e encarnou pelo Espírito Santo e no seio da Virgem Maria Se fez Homem»).
Pela acção do Espírito Santo, Maria acolhe essa mesma Palavra encarnada e se torna modelo de acolhimento de Deus nas nossas vidas. Na sua humildade e entrega, no seu sim confiante à acção e vontade de Deus, Maria desempenha um papel especial nesta dinâmica de um Deus que Se faz mais presente, que vem viver a nossa vida, ensinando-nos a viver a nossa humanidade a caminho para Deus. Maria ensina-nos a acolher, a viver essa atenção e disponibilidade, um sim mais verdadeiro e consequente à acção de Deus na vida de cada um...

Diante deste Deus que vem viver à nossa maneira, impõe-se uma pergunta: estaremos nós dispostos a viver segundo a forma como Ele nos veio ensinar? Viver o Amor sem medidas a que Ele nos convida?
E a nossa resposta tem de surgir, espontânea, no dia-a-dia...

Eu Creio V - Um Filho que nos faz filhos

Jesus Cristo é o Filho Unigénito do Pai... Unigénito porque é o único gerado, por distinção de criados, nós humanos, que somos criaturas de Deus...
Um único e verdadeiro Filho, mas, no qual, também nós somos filhos de Deus...
É por isso que Jesus Cristo é o verdadeiro rosto de Deus que ama, ao ponto de nos fazer filhos também... Uma imagem tão distante do nosso egoísmo, em que até entre os próprios filhos existem tantas quezílias, tantas dificuldades de entendimento...
Custa-nos entender a ideia de que se aceitam novos filhos, que não tinham qualquer direito em si mesmos, mas que agora também se tornam herdeiros, até de uma natureza que não é a sua, maior do que o imaginado ou desejado. E que este estatuto de filhos e herdeiros, ainda por cima, se adquire à custa do sacrifício do próprio Filho, que Se entrega e morre para que todos os que O aceitam e n’Ele acreditam alcancem a vida, ainda que ao homem, por vezes, custe entregar seja o que for...
Um Filho gerado do Amor do Pai, para que nós, as criaturas que «tantas vezes viramos as costas», sejamos aceites e educados como filhos também...
Têm assim sentido as palavras de Jesus no Evangelho. «Meu Pai e vosso Pai», ou o «rezai assim: Pai Nosso...»... Ou as palavras que se fizeram ouvir no episódio da Transfiguração, vindas da nuvem do céu: «Este é o Meu Filho muito amado. Escutai-O».
Mas, o Filho Unigénito é Consubstancial ao Pai... Dito de outra forma, da mesma substância do Pai. Não Lhe é inferior ou superior, mas de uma mesma realidade divina, trazendo-nos, a toda a Humanidade, essa luz divina que nos era inacessível, não deixando de ser Deus, verdadeiro Deus, mas passando a ser Homem, verdadeiro também, para que a Humanidade possa subir com Ele para junto do Pai...
Mas, este Filho de Deus torna-se Homem com uma missão, que nasce da sua própria Vinda e de uma realidade primeira que a nossa fé nos convida a não esquecer: «Por Ele, todas as coisas foram feitas... e para nossa Salvação desceu dos céus».
Dizer que Jesus Cristo é o Filho de Deus, mais do que dizê-lo, afirmá-lo, é ter consciência de que esta filiação que daí recebemos é para nós um compromisso de mudança, de grande sentido para a nossa própria forma de viver... Viveremos, daqui em diante, à maneira do Filho de Deus, que veio assumir a nossa condição humana, ensinando-nos o próprio Deus como viver o nosso dia-a-dia...

Mas, será que, ao afirmar a nossa fé tomamos consciência de que também somos filhos de Deus, irmãos em Jesus Cristo? Que é daqui que nasce toda a verdadeira fraternidade e igualdade humana? Que vivemos já a nossa vida humana na esperança de uma eternidade junto a Deus Pai?

Eu Creio IV - Em Cristo Senhor

Acreditar será somente aceitar?!
Há muitas realidades que aceito (não há outra solução, por vezes) no mundo, mas nas quais não acredito...
Realidades menos agradáveis, que sei que existem, que não posso, só por mim, modificar ou corrigir, mas nas quais me recuso a acreditar, por pensar que não são, de longe, o melhor para a Humanidade, por saber que somos capazes de tão melhor... Como afirmava proverbialmente São Paulo, expressando o pensamento de que procuramos o bem, mas é o mal que alcançamos, que vamos realizando...
Então, a própria lógica humana diz-me que acreditar vai além do aceitar somente...
Por exemplo, até numa conversa de amigos, aceitamos que alguém nos conte algo, por mais extraordinário que seja, aceitamos sem contradizer o nosso interlocutor, sem que no entanto sejamos obrigados a acreditar naquilo que nos é contado...
Acreditar torna-se então o procurar constantemente tornar realidade, fazer presente e vivo aquilo que se diz, que se proclama... Tornar vivo, no sentido de dar vida às palavras, dar-lhes um significado além do semântico, significado que realmente significa mesmo algo para nós...
E foi esta descoberta de Fé, de uma Fé que não é apenas dita, mas vivida, que Jesus lançou como desafio aos que O seguiam, àqueles que escutavam as suas palavras, mas que tinham de as guardar, meditar, tornar suas próprias palavras, na forma de viver... Ouvir Jesus não era apenas um espectáculo cultural, um ouvir um contador de histórias, por mais belas ou mais cativantes que elas fossem... Era identificar-se com essas mesmas palavras, deixar que elas tivessem vida própria nas suas vidas... Talvez fosse esta mesma força que tanto atraía as multidões que O escutavam avidamente, que se deixavam prender pela autoridade com que Ele falava...
O «Segue-Me» lançado aos discípulos, não era seguido de um «apenas quando te for conveniente»... O «Quem tem ouvidos, oiça», nunca teve tanto significado para que tudo fosse guardado e meditado... O «Acreditas nisto?» dito a Marta, tinha a força de ser necessário para entender então que Ele pudesse ressuscitar o irmão Lázaro, não apenas naquele momento, mas também prefigurando a sua (e a nossa) ressurreição para a eternidade...
Dizemos: «Creio em um só Senhor Jesus Cristo...»... Mas será que temos consciência de que Ele é único e por isso mesmo presente hoje na vida de cada um de nós, como o foi na história de há dois mil anos atrás? Que as suas palavras hoje têm a mesma verdade no coração e na vida de cada um de nós, que as ouvimos, guardamos e meditamos? E que nos convidam a este mesmo torná-las realidade, e este mesmo vivê-las intensamente?
Nas palavras do Cardeal Martini, no seu mais recente livro «Colóquios nocturnos em Jerusalém. Sobre o risco de acreditar», para nós os cristãos, os que acreditamos que Jesus Cristo é o Senhor: «a entrega da vida não se pode explicar facilmente de uma forma racional. Essa entrega só é possível se se confiar nele»...

Eu Creio III - Um Deus que é Pai…

Se olharmos atentamente para a oração do «Credo», vamos encontrar a afirmação de tudo aquilo em que acreditamos, o resumo de toda a nossa fé… Mas será um olhar assim tão atento aquele que dedicamos a esta oração que rezamos, domingo após domingo, «embalados em habitual cantilena», como quem papagueia algo que foi forçado a decorar na catequese (quando foi, já que muitos não o sabem mesmo), mas não entende a maior parte do que está a dizer (mais repetir) em conjunto com uma assembleia que se distrai neste momento? ...
Se nos pedissem para falarmos sobre o «credo», o que diríamos? Também nós diríamos «credo!», como exclamação que tantas vezes ouvimos perante algo surpreendente ou anormal, por vezes? De que forma nos debruçaríamos sobre tão importante resumo da nossa fé, daquilo que defendemos e em que acreditamos?
Talvez, em conjunto, seja mais fácil não apenas dizer, mas também meditar esta mesma realidade…
Começamos por dizer: «Creio em um só Deus…». E logo isto nos coloca perante uma dúvida da nossa actual sociedade: como conciliar a fé em um só Deus, com tantas crendices, superstições, com tantos «ídolos» que se levantam perante cada um como veneráveis, como capazes de nos trazer felicidade a uma vida tão já cheia de preocupações? Não é mais fácil dizer que há Deus e outras forças para as quais me vou voltando com mais facilidade, quando surge a oportunidade ou o momento de precisão?
Para muitos, então, é mais fácil eliminar, logo à partida, o «um só»… Parece mais fácil deixar Deus de lado, para quando for necessário, e procurar agradar a todos os outros «deuses», todos os «outros máximos» que parecem tão mais atractivos e capazes de satisfazer os nossos caprichos, mais do que nos dar «mandamentos» com os quais não concordamos…
Para os verdadeiros crentes, o esforço é então evidente: dizer que há um só Deus é dizer que é n’Ele que acreditamos, que a Ele procuramos, e que não nos pudemos deixar «desviar» por outras «fés», essas sim, que nos aprisionam, em promessas vãs que, quando falham, apenas asseguram desilusão…
E continuamos «… Pai todo-poderoso». E aqui, colocamo-nos logo diante de Deus, não numa perspectiva distante, fugaz de apenas alguns momentos, mas como filhos de um mesmo Pai, um Pai que tudo pode, um Pai que se preocupa com cada um de nós, um Pai que nos dá mesmo esta capacidade de com nos relacionarmos com Ele pelo Amor…
O melhor nome que podemos chamar a Deus - «Pai» … O nome que o próprio Jesus nos veio ensinar a dizer, a rezar, a viver… Afinal, Deus é nosso Pai… E os filhos devem procurar conhecer o Pai, responder aos constantes apelos que Ele nos faz, ser capazes de O amar…
E no prosseguir com «Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis», até a nossa responsabilidade ambiental é evocada… Afinal, não somos nós os criadores da natureza, do que nos rodeia, embora a vamos destruindo cada vez mais, com as nossas «criações» …
Afinal, reconhecemos que também nós somos criaturas, saídas de uma mesma origem no Criador, e que, por isso, devemos procurar a harmonia com toda a restante criação, visível ou invisível, como em nós deve existir a harmonia entre o que vivemos e o que sentimos, o que dizemos …

Eu Creio II - A vontade de acreditar…



Acreditar -  
1.
considerar como verdadeiro, aceitar, admitir

2.
dar crédito a; ser fiador de alguém

3.
conferir poder ou autoridade a alguém para se fazer representar; credenciar

4.
considerar possível a realização de

5.
ter fé, crer

Estas são as definições para este verbo, encontradas no Dicionário da Língua Portuguesa.
Mas, afinal, o que é acreditar? O que pressupõe dizer «eu acredito; eu creio»?
Em todas as definições, uma constante: a vontade inicial do próprio sujeito de realizar esta acção, o que equivale a dizer taxativamente, que ninguém acredita se não quiser.
O que nos conduz a esta reflexão sobre a vontade de acreditar…
E a primeira ilação a tirar é a da pouca consciência que os que dizem acreditar têm de que isto é, primeiro que tudo, resultado da sua própria vontade, um acto voluntário e consciente que se traduz numa tomada de posição perante algo ou alguém e que traz consequências.
Acreditamos porque o queremos, porque desejamos dizer como verdade algo, porque é da nossa vontade pensar e afirmar uma realidade…
Para melhor entender tudo isto, olhemos para o início, para os princípios da Igreja, quando esta e os seus membros eram perseguidos: alguém descobria Jesus Cristo, conhecia-O através das palavras transmitidas; procurava conhecê-l’O melhor, descobrir mais sobre Ele e a sua mensagem; convertia-se e tomava a decisão de O seguir, de ser seu discípulo, ainda que isso implicasse que a mudança na sua vida fosse total e radical, até ao ponto de a pôr em risco…
Agora, confrontemos com o que significa hoje: não fazemos grande esforço para descobrir ou conhecer a pessoa ou a mensagem de Jesus Cristo, limitamo-nos a guardar algumas das coisas que nos vão dizendo desde a infância; no momento em que nos é proposto que conscientemente e já como adultos digamos que somos seus discípulos (habitualmente, no sacramento do Crisma) é quando nos afastamos e deixamos de Lhe ligar grande importância; e as mudanças que nos propomos fazer na nossa vida, são, em geral, no sentido de quem se afasta cada vez mais…
Até porque está fora de moda dizer que se acredita, que somos discípulos de Alguém que nos confronta com tantas coisas do nosso mundo, das quais nos tornámos seguidores sem mesmo o pensar bem…
Não se pode dizer que se acredita sem viver isso mesmo que se diz…
Para reflectir, algumas palavras do sacerdote jesuíta, Dário Pedroso, conhecido pelos muitos livros dedicados à juventude e aos grupos de jovens, em orações, jogos e reflexões, no seu último livro «Diálogos com Cristo»:
«É a graça de Te (Jesus) conhecer por dentro, de Te amar com amor determinado, que nos levará ao encantamento, ao desejo de imitação, ao serviço sem reserva, ao amor apaixonado».

Como poderemos dizer que acreditamos, se ainda não descobrimos Aquele em quem acreditar?

Eu Creio … I

I.                  Prelúdio


Iniciaríamos esta reflexão, colocando-nos diante das realidades que nos propomos abordar: as que estão contidas na nossa fé.
Se alguém nos perguntasse em que acreditamos, como cristãos que fé professamos, qual seria a nossa resposta? Por certo, após um natural embaraço inicial, de certo nos lembraríamos de duas ou três «respostas fáceis», que talvez fizessem entender o nosso interlocutor de que este é um assunto a não ser continuado… Os mais afoitos, talvez se lembrassem de «papaguear» o credo, oração que «cantamos» de vez em quando, ainda que nem sempre se perceba o que se está a dizer…
Mas, vamos imaginar que somos nós mesmos os interlocutores desta inesperada conversa… Vamos falar connosco próprios sobre a nossa fé, sobre tudo aquilo que dizemos acreditar… E aqui, sem respostas fáceis, partamos do princípio de que há muito a descobrir, muito a reflectir, muito mais a aprofundar…
E, para uma primeira reflexão introdutória, partilhamos trechos deste texto do Papa Bento XVI, de Novembro de 2007, sobre a esperança cristã, dando uma luz mais forte, primeiro sobre estes tempos que tantos dizem «sem esperança», depois sobre esta mesma caminhada de descoberta a que nos propomos…
« SPE SALVI facti sumus » – é na esperança que fomos salvos: diz São Paulo aos Romanos e a nós também (Rm 8,24). A « redenção », a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples dado de facto. A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho. E imediatamente se levanta a questão: mas de que género é uma tal esperança para poder justificar a afirmação segundo a qual a partir dela, e simplesmente porque ela existe, nós fomos redimidos? E de que tipo de certeza se trata?
A fé é esperança
Antes de nos debruçarmos sobre estas questões, hoje particularmente sentidas, devemos escutar com um pouco mais de atenção o testemunho da Bíblia sobre a esperança. Esta é, de facto, uma palavra central da fé bíblica, a ponto de, em várias passagens, ser possível intercambiar os termos « fé » e « esperança ». Assim, a Carta aos Hebreus liga estreitamente a « plenitude da fé » (10,22) com a « imutável profissão da esperança » (10,23). De igual modo, quando a Primeira Carta de Pedro exorta os cristãos a estarem sempre prontos a responder a propósito do logos – o sentido e a razão – da sua esperança (3,15), « esperança » equivale a « fé ». Quão determinante se revelasse para a consciência dos primeiros cristãos o facto de terem recebido o dom de uma esperança fidedigna, manifesta-se também nos textos onde se compara a existência cristã com a vida anterior à fé ou com a situação dos adeptos de outras religiões. Paulo lembra aos Efésios que, antes do seu encontro com Cristo, estavam « sem esperança e sem Deus no mundo » (Ef 2,12).

E eu, como me posiciono perante o mundo?
Com esperança?
Sabendo qual a meta?
Reconhecendo que recebi algo, que me ajuda, que me posiciona perante Deus e o mundo, que me alenta na esperança, a que posso chamar fé?